terça-feira, 24 de agosto de 2010

UM POUCO DE HISTÓRIA, NÃO FAZ MAL A NINGUÉM...

Mas isto não é Circo... – Ele é ótimo, mas não é um palhaço... – Esse cara é um clown? Clown de Circo ou de Teatro? Mas palhaço não tem que ter nariz vermelho?

Volta e meia escuto estas questões... E quem as faz parece muito preocupado em entender para classificar. É muito importante, na nossa cultura ocidental, poder colocar cada coisa no seu lugar... Parece que só assim poderemos entender, e que só entendendo poderemos curtir, fruir, gozar...

Mas afinal o que é circo? O que é um palhaço? E será que é tão importante saber defini-los?

Circo é um picadeiro onde se apresentam artistas de "habilidades", e números de cavalos, e elefantes, e outros animais, enquanto o público come pipoca e algodão doce. Certo? Certo, mas não é só isso...

As artes circenses sempre existiram. As paredes de monumentos em Tebas mostram malabaristas malabarando há mais de 4.000 anos. E na China, na mesma época, já existiam acrobatas, contorcionistas cavaleiros audazes, equilibristas... E na Índia, e na América Central...

Enfim, sempre existiram artistas que se apresentavam em praças, nas festas do povo e nos palácios dos nobres fazendo coisas incríveis e divertindo a todos. Na Grécia o Teatro se organizou nos festivais, e surgiram as "regras Aristotélicas", e o Teatro se definiu. Mas os artistas que faziam "coisas" continuaram seu trabalho, seguiram pelo mundo e atravessaram os tempos. Estavam na Grécia - mas não no teatro grego. E foram para Roma, nos circos, se apresentando entre uma chacina de cristãos e um duelo de gladiadores, fazendo multidões se maravilharem e rirem.

Quando o Império Romano sucumbe as artes organizadas se desorganizam, e o teatro e a música sofrem muito. Mas os artistas não param. Artista não para nunca! E a Idade Média vê surgirem trupes de saltimbancos em todas as feiras e festas. O nome já explica tudo! Eles saltavam bancos que serviam para expor mercadorias ou como praticáveis para artistas e vendedores. O termo banqueiro é da mesma época e se refere aos mesmos bancos. Quem diria, os primeiros Bancos eram apenas praticáveis onde um sujeito esperto trocava moedas e fazia negócios, enquanto jovens artistas atraíam o público dando saltos e cabriolas.

O interessante é que os Saltimbancos faziam de tudo: cantavam, tocavam, brincavam com bonecos, recitavam, saltavam e faziam toda espécie de equilíbrios. Cada trupe queria ter mais possibilidades de atrair o público e por isso um artista devia ser completo: ator, músico, bailarino, acrobata e bonequeiro. Se, além disso, ele conseguisse realizar alguma proeza especial todos do grupo lucrariam.

Neste época ninguém se intitulava ator ou bailarino eram todos artistas saltimbancos. Pouco a pouco algumas trupes foram se especializando em uma destas habilidades, mas a maioria estava pronta para o que desse e viesse. O importante era possuir um repertório de possibilidades que agradassem os mais diferentes públicos. Trupes de saltimbancos são a base dos grandes teatros europeus da era clássica e também dos primeiros corpos de ballet. Um exemplo é a família Chiarini que deu artistas para o Scala de Milão, para o Teatro dos Italianos e teve um dos maiores circos de toda a história.

Quando o oficial inglês Phillip Astley cria seu espetáculo de equitação e resolve colocar malabaristas e contorcionistas para atrair mais público é nas feiras, entre os saltimbancos que ele vai descobrir seus artistas. E a essa altura, 1770, as feiras eram enormes eventos que duravam meses e tinham espaços permanentes para apresentação de espetáculos. Os historiadores consideram que o Teatro de Astley (ele ainda não usava o termo circo) é o início do circo moderno.

E este circo fez muito sucesso! Arrebatou multidões e se multiplicou por todos os cantos da Europa e da América em pouquíssimo tempo. Mas o que era esse circo? Um espetáculo de cavalos, com atrações diversas. Simples não? Malabaristas, equilibristas, aramistas, contorcionistas, músicos excêntricos, acrobatas, domadores de feras e adestradores de diferentes animais mesclados a eqüestres e amazonas. E tinha teatro também! Nos circos a palavra estava proibida. Havia uma lei na França, que foi transformada em regra no resto da Europa, que só permitia a fala nos teatros autorizados para tal. Era uma lei protecionista, exigência dos atores protegidos pelo Rei que não queriam sofrer a concorrência dos artistas de feira.... Esta lei só foi completamente extinta na segunda metade do sec. XIX. E a ela se deve o grande desenvolvimento da mímica e das pantomimas.

O Teatro de Astley (e todos os circos que vieram depois) apresentava pantomimas eqüestres. O romancista inglês Charles Dickens faz uma interessante descrição de um espetáculo de Astley:

"E depois que maravilha o espetáculo em si mesmo! Os cavalos que o pequeno Jacob acreditou serem de carne e osso desde o princípio e as senhoras e cavaleiros que ele julgou serem a fingir e ninguém o conseguiu convencer do contrário, pois nunca tinha visto ou ouvido nada parecido; o disparo dos tiros ( que fez Bárbara fechar os olhos); a dama abandonada (que a fez chorar); o tirano (que a fez tremer); o homem que cantava a canção com a criada da senhora e dançava ao som do coro ( o que a fez rir); o pônei que se empinava sobre as patas traseiras ao ver o assassino, e não queria voltar a andar de quatro patas enquanto ele não fosse preso, o palhaço que se atrevia a meter-se com o soldado de botas; a dama que saltou por cima de vinte e nove fitas e caiu ilesa na garupa de um cavalo... tudo, tudo era maravilhoso. "

E foi no circo de Astley que surgiu o palhaço ? Antes de Astley a cômica figura do clown já reinava nas pantomimas dos teatros ingleses. E clown não é nada mais do que palhaço em inglês.... A origem do nome vem de campônio, camponês, caipira. É a velha figura do tolo/esperto que vem do interior para a cidade e se atrapalha, e é enganado, mas que nem sempre se dá mal....

Com o desenvolvimento dos circos por toda a Europa esta "nova" figura cômica vai se transformando, cada artista dando a sua contribuição e criando um personagem tão forte que passa a ser o símbolo maior do circo. Mas ele não tem data nem local de nascimento. O palhaço é da linha genealógica dos parasitas gregos, dos stupidus e cicirrus romanos, dos bobos e bufões, dos arlequins e polichinelos, dos saltimbancos e truões, e dos pícaros espanhóis. E no circo, no teatro ou nas ruas ele pode ser um grande mímico, um acrobata soberbo, músico, equilibrista ou tudo isso junto. E se no início era proibido falar, quando pode transformou-se num grande parlapatão, no clown parleur como dizem os franceses. Há palhaços para todos os gostos e talentos. Cada um descobre o seu caminho e a única regra é romper regras e ridicularizá-las.

Por isso é que quando começo a ouvir essas falas sobre o que é circo, ou se fulano é ou não um palhaço, fico com vontade de gritar: - Chega de definições limitadoras! O Circo é a grande praça onde cabem todos ! O Teatro viveu séculos preso a estúpidas regras de tempo e espaço. A música sofreu para se livrar das escalas cromáticas. O povo do circo foi formado por todos aqueles que viviam sobre a única regra de conquistar sua platéia. No Circo se dança, se canta, se toca, se faz teatro e se equilibram bolas e cadeiras.... E não há um compromisso de "elevar a moral" de ninguém, e não há a proposta de "educar as massas". O circo é diversão pura, é prazer. Acho que no início do terceiro milênio da era que começou com Cristo estamos por fim descobrindo a importância do fundamental: ser feliz juntos. Neste mundo insano, que viva o circo que só pretende formar uma grande e generosa roda em que gente se diverte junto. O Circo é o inútil elevado ao sublime... Abre a roda!

Alice Viveiros de Castro
Fonte: http://www.crescereviver.org.br/

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