quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Memória Prêt-à-Porter

Manifesto Teatral

Em sua nona edição, a série de espetáculos Prêt-à-Porter mantém-se fiel às origens, com a supremacia do ator em lugar da pirotecnia cênica

O ator na essência, munido apenas de corpo, voz e um econômico cenário. Na cena, o homem é o foco de análise. Sem adornos, tecnologia ou jogos de luz com o objetivo de induzir a uma sensação de realidade, o resultado é verdadeiro e natural. Assim se revela a série teatral Prêt-à-Porter, coordenada há dez anos pelo diretor Antunes Filho. Com pouquíssimos elementos cenográficos, luzes estáticas para apenas dar visibilidade à cena, os espetáculos podem ser encenados em qualquer espaço e com baixíssimo custo. Dispensam o excesso de gestos e improvisações, os enfeites e ornamentos. Só conservam o essencial. O Prêt-à-Porter é composto sempre de três cenas curtas e independentes, apresentadas em seqüência.

Em cada uma delas há uma dupla de personagens que dialogam e trazem de forma metafórica reflexões sobre questões ligadas à existência do ser humano. Na série, a dramaturgia é elaborada pelos próprios intérpretes, que compõem o quadro, colocando em prática as teorias e técnicas desenvolvidas no Centro de Pesquisa Teatral (CPT), no Sesc Consolação, também sob o comando de Antunes Filho. "O Prêt-à-Porter não é um exercício", esclarece o diretor. "É claramente profissional, é inteligente, sofisticado, bem trabalhado e está crescendo cada vez mais." Antunes acredita ainda que o teatro tem de voltar às origens, ao homem. "É isso que é bonito e fundamental. É o homem", diz. "O Prêt-à-Porter é a coisa mais importante do CPT, é como eu gosto de ver a interpretação."

Evolução

O Prêt-à-Porter teve início em 1998, no CPT. Segundo o ator Emerson Danesi, que participou de diversas edições do espetáculo - inclusive a atual (veja boxe Teatro e poesia) -, a idéia surgiu de uma reflexão de Antunes acerca dos motivos pelos quais o teatro vinha recorrendo a tantos "efeitos pirotécnicos". "Grandes cenografias, grandes montagens, tecnologia invadindo o palco e demais coisas que abafavam a figura principal do teatro, que é o ser humano, portanto o ator", sentencia Danesi. Com esse teatro mais visceral, Antunes busca o que chama de uma comunhão do homem com suas origens, um teatro de arte. "Eu odeio o bonitinho. Espetáculos bonitinhos não têm nada a ver com arte. Não significa que não sejam bons espetáculos. Podem ser, mas não são arte. A arte está sempre recoberta por algum mistério.

A função dela é descobrir coisas que o homem está procurando: o mistério da vida", ressalta. O ensaísta e crítico Sebastião Milaré conta que as primeiras edições de Prêt-à-Porter foram marcadas por procedimentos didáticos: um apresentador dirigia-se à platéia e expunha a ideologia teatral geradora daquela performance; em seguida, a dupla de intérpretes colocava a gênese dos respectivos personagens. Porém, ao longo dos anos, ocorreram mudanças. "Foram alterações que buscavam o requinte estético", conta o o estudioso. "Essa tem sido a característica das últimas edições, que permitem certa ambientação da cena por meio da luz", por exemplo.

Milaré chama essas alterações de evolução. "A própria coisa gera suas necessidades, porque se trata de uma visão de mundo em perpétuo movimento", analisa. "Entretanto, não houve deturpação da essência, que é a demonstração prática do 'falso naturalismo', um naturalismo 'desenhado', princípio básico do método Antunes Filho." Emerson Danesi destaca também a mudança que houve na qualidade técnica dos atores. "Com o passar do tempo ganhamos mais habilidade para escrever, estamos mais profundos", detalha o ator. "Trazemos para a cena uma possibilidade mais ampla de criação e isso é reflexo da nossa evolução."

Atores completos

Participar de Prêt-à-Porter exige do ator uma preparação que envolve diversas técnicas. Assim, o dia-a-dia inclui aulas de filosofia e retórica, leitura de clássicos da dramaturgia mundial, exercícios corporais e o desenvolvimento de técnicas vocais e de respiração. "As aulas de filosofia são para despertar nos atores a noção de profundidade do ser humano", explica Antunes. "E as de retórica são para ensiná-los a falar. Os atores não sabiam falar, não conseguiam comunicar a sua verdade." Já a experiência de escrever os textos que irão encenar dá ao intérprete o controle do processo criativo. "Com isso ele se torna consciente de sua arte e compromissado com ela", diz. "No Prêt-à-Porter, o ator é dono de tudo, ele escreve, interpreta e dirige. Ele faz o seu sonho. O que mais um ator pode querer?"

Os exercícios corporais funcionam como um trabalho de desprogramação do corpo. "Você aprende a representar o natural e não a ser natural", afirma Antunes. "As pessoas aprendem a se afastar do corpo e das emoções, a usar as funções das personagens. Eu preciso de atores, de técnicas de ator. Sem isso eu não faço nada. Sem técnica você não consegue nem comunicar o que sente." Para Milaré, o Prêt-à-Porter continua sendo o "manifesto de uma escola teatral". A demonstração prática de uma técnica que possibilita ao ator afastar-se do personagem, para obter o controle da situação dramática. "Se ele consegue fingir naturalidade, desenhando o gesto, a respiração, a voz, a emoção do personagem, então consegue fazer o personagem em qualquer estilo, realista ou não realista, podendo até mesmo transformá-lo em um traço abstrato", explica o crítico, que define o método de Antunes como um modo pós-moderno de interpretar as expectativas do homem contemporâneo. "O método possibilita ao ator conduzir o trabalho em absoluto racionalismo, até chegar ao irracional, onde imaginação e realidade se confundem. Outros métodos podem ter as mesmas características ideológicas, mas a técnica Antunes Filho é única", conclui o crítico. •

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