sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Fernanda Montenegro - A grande dama dos palcos



Biografia

Arlette Pinheiro Esteves da Silva (Rio de Janeiro RJ 1929). Atriz. Uma das fundadoras do Teatro dos Sete, Fernanda Montenegro marca suas personagens com a sinceridade e o vigor que a tornam uma personalidade destacada na sociedade brasileira, conferindo-lhe o título de primeira-dama do teatro.

Começa a carreira no rádio, aos 16 anos. No teatro, sua primeira experiência é em uma produção de Esther Leão, onde conhece Fernando Torres, seu futuro sócio e marido. Em 1952, ingressa na companhia de Henriette Morineau, Os Artistas Unidos. Em 1954, estréia no Teatro Maria Della Costa - TMDC, atuando em O Canto da Cotovia, de Jean Anouilh, um dos espetáculos mais importantes da companhia, com direção de Gianni Ratto. Permanece no TMDC por dois anos e tem seu primeiro papel de destaque, em 1955, interpretando Lucília em A Moratória, de Jorge Andrade, que lhe vale o Prêmio Saci e a promove ao estrelato. Em 1956, estréia no Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, em Divórcio para Três, de Victorien Sardou, dirigida por Ziembinski, onde permanece até 1958, sendo premiada por dois trabalhos: com Nossa Vida com Papai, de Howard Lindsay e Rusel Crouse, 1956, a atriz se revela em plena maturidade artística e seu desempenho, que na opinião dos críticos faz valer o espetáculo, lhe confere o prêmio da Associação Paulista de Críticos Teatrais - APCT; com a interpretação sincera e vigorosa de Vestir os Nus, de Luigi Pirandello, 1958, recebe o Prêmio Governador de Estado de São Paulo, e, novamente, o APCT. Diferente dos chamados "monstros sagrados" do teatro, Fernanda Montenegro assimila desde cedo a verticalidade do teatro, na figura do encenador: "... Eu vi que não era só dizer a frase com sujeito, verbo e predicado. Aquilo tinha uma imantação e cada período daqueles estava inserido numa cena, que tinha um batimento, que se unia a outra cena... E assim tinha um resultado não só artístico, mas social, político, existencial. Isso tudo dentro de uma visão estética do espetáculo que correspondesse a uma unidade cênica".1

Funda o Teatro dos Sete, com Fernando Torres, Sergio Britto, Ítalo Rossi e Gianni Ratto, onde participa de todos os espetáculos até a dissolução da companhia, em 1965. Nesse período é três vezes premiada: pela interpretação em O Mambembe, de Artur Azevedo e José Piza, dirigido por Gianni Ratto, 1959, recebe o Prêmio Padre Ventura do Círculo Independente de Críticos de Arte; por Mary, Mary, de Jean Kerr, direção de Adolfo Celi, em 1963, é premiada pela Associação Brasileira de Críticos Teatrais - ABCT; e por Mirandolina, de Carlo Goldoni, em 1964, recebe o Troféu Governador do Estado de São Paulo.

Gianni Ratto, que dirige a maioria dos espetáculos do Teatro dos Sete, traduz a importância da atriz em texto que comemora seus 50 anos de carreira: "A sólida estruturação moral, a noção crítica que ela tem de seu trabalho na perspectiva histórica de suas origens e do mundo ao qual pertence e que ela mesmo criou para si, emprestam ao seu trabalho o cunho do severo e implacável profissionalismo de um artista da Renascença".2

De 1966 a 1968, Fernanda atua em quatro espetáculos, dirigida por Fernando Torres, e recebe o Prêmio Molière por A Mulher de Todos Nós, de Henri Becque, 1966; e por O Homem do Princípio ao Fim, de Millôr Fernandes, 1967. Na década de 1970, atua em Oh! Que Belos Dias, de Samuel Beckett, com direção de Ivan de Albuquerque, 1970; O Marido Vai à Caça, de Georges Feydeau, dirigida por Amir Haddad, 1971; O Interrogatório, de Peter Weiss, direção de Celso Nunes, 1972; O Amante de Madame Vidal, de Louis Verneuil, direção de Fernando Torres, 1973. É premiada por Seria Cômico ... Se Não Fosse Sério, de Dürrenmatt - Troféu Governador do Estado e Prêmio da Associação dos Críticos Teatrais de São Paulo - e A Mais Sólida Mansão, de Eugene O'Neill - Prêmio Molière - ambos em 1976. Com o espetáculo É..., de Millôr Fernandes, 1977, passa 3 anos e meio em temporada, realizando, em quatro capitais, um recorde de apresentações ininterruptas.

Na década de 1980, seu espetáculo mais marcante é As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, de Fassbinder, 1982, pelo qual recebe os prêmios Molière e Mambembe. Macksen Luiz escreve sobre o desempenho da atriz no espetáculo: "Quando os refletores do Teatro dos Quatro iluminam um corpo de mulher no centro do palco, vêem-se apenas as suas costas muito brancas e os cabelos desalinhados de alguém que desperta. Assim tem início para a platéia uma das mais emocionantes experiências que um espectador de teatro pode ter. O privilégio de assistir a um monstro sagrado mostrando, em forma plena, a extensão de seu talento. O seu porte de cena é de um animal, dono de sua liberdade de movimentos num espaço que é inteiramente seu. Há uma intimidade tão estreita entre a atriz e seu espaço de trabalho, que sua criação nada mais é do que um ato de intimidade. Cada pausa, silêncio ou movimento corresponde a um gesto que acentua a intimidade. A sua própria respiração é um elemento dramático tão forte que é impossível ao espectador da última fila deixar de ouvi-la. Fernanda agarrou sua Petra com seus 30 anos de carreira, fez dela quase uma soma das centenas de personagens que já interpretou, desenhando com uma técnica requintada a complexidade das emoções de uma vida. Não há nada que Fernanda faça como Petra que não seja fruto de um extenuante trabalho, mas ao mesmo tempo a carga de emoção que ela consegue projetar na personagem só pode ser explicada por um trabalho irretocável. A força e a inteligência da atuação de Fernanda Montenegro em As Lágrimas Amargas de Petra von Kant nos devolvem a alegria de ir ao teatro".3

Cinco anos depois seu desempenho é novamente consagrado em Dona Doida, Um Interlúdio, de Adélia Prado, 1987, valendo-lhe o Prêmio Molière. Em 1993, sobe à cena com a filha Fernanda Torres, para fazer uma abordagem sarcástica e grotesca da relação maternal em The Flash and Crash Days - Tempestade e Fúria, de Gerald Thomas. Nesse espetáculo feito de silêncio, em que o texto se resume a palavras ou frases só compreensíveis no contexto da ação, a atriz se expõe ao risco e à experimentação cênica.

No cinema, atua, entre outros, em: A Falecida, de Nelson Rodrigues, direção de Leon Hirszman, 1964; Em Família, roteiro de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Paulo Porto, 1970; Tudo Bem, direção de Arnaldo Jabor, 1978; Eles Não Usam Black-Tie, direção de Leon Hirszman, 1980. No final dos anos 90, recebe todos os prêmios nacionais, cinco prêmios internacionais e é a primeira atriz brasileira a ser indicada ao Oscar pela atuação no filme Central do Brasil, de Walter Salles Jr.

Pela simplicidade, trabalhada e consciente, Fernanda Montenegro resiste ao papel de mito em que é rematadamente colocada e, nos momentos de homenagem, sempre obriga a audiência a se lembrar dos colegas de sua classe. Ao tentar definir seu estilo, os redatores não resistem a ampliar o olhar para mirar a pessoa e a cidadã. Como Caetano Veloso para o prefácio de sua biografia: "Há artistas que nos abalam com a potência do seu gênio; muitos, na tentativa desesperada de salvar o mundo, dele se afastam, às vezes virando as coisas à própria arte, à vida mesmo. Fernanda, artista de gênio, em nenhum dos três itens foge ao centro: no meio do mundo, no meio da arte, no meio da vida. É assim que a vejo, ela mesma pouco a pouco entendendo seu próprio destino. Esse destino que confere ao seu trabalho uma dimensão que transcende a evidente excelência: suas criações (...) descobrem (inventam) o sentido do nosso modo de ser; nos fundam, nos filtram, nos projetam. E nos acenam com enormes tarefas. (...) Em cena, ela estende um pano sobre a mesa, em silêncio, e tudo está dito sobre a mulher, a elegância, a condição humana e o teatro. De costas para a platéia, sua pele muito branca irradia uma intensa onda sensual, feita de fragilidade e firmeza, coragem e recato".4

Notas
1. MONTENEGRO, Fernanda. Entrevista a Regina Zappa e Pedro Butcher. In: Fernanda Encena: retrospectiva 50 anos, Rio de Janeiro, MAM, 1999.

2. RATTO, Gianni. O primeiro roubo. In: Fernanda Encena: retrospectiva 50 anos. Op. cit.

3. LUIZ, Macksen. Citado por BRITTO, Sérgio. Fábrica de ilusão: 50 anos de teatro. Rio de Janeiro: Funarte, 1996.

4. VELOSO, Caetano. Prefácio. In: RITO, Lúcia. Fernanda Montenegro em o exercício da paixão. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1990.
 

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